A reforma tributária do RS: o livro lido e o livro contado

A reforma tributária do RS: o livro lido e o livro contado

Os debates sobre reforma tributária precisam ultrapassar os powerpoints e os vídeos de 5 minutos postados nas redes sociais para, assim, mergulhar no conteúdo normativo de cada projeto. Um livro contado é muito diferente de um livro lido, e a leitura atenta do projeto proposto pelo governo gaúcho (PL 246/20) revela um enredo distinto das apresentações.

Nesse enredo, um dos pontos que chama a atenção é a tentativa de penalização do empreendedor. Segundo o projeto, os diretores e gerentes responderão, pessoalmente, pelo ICMS não recolhido pelas empresas durante 8 meses, além de outras hipóteses.

A medida é não apenas inconstitucional, como também contrária à política de estímulo ao empreendedorismo. Dever tributo não é crime; sonegar tributo, sim. Tratar as duas situações da mesma forma é um grande equívoco desse PL, que fustiga o contribuinte que reconhece a dívida, mas não consegue pagá-la. A utilização da inadimplência como estratégia concorrencial é excepcional e como tal deve ser tratada. Contudo o PL, lamentavelmente, coloca tudo no mesmo balaio.

Além disso, estamos em plena pandemia e o país não terá voltado à normalidade em 90 dias, período previsto para início da aplicação desse dispositivo. Estima-se que a vacinação avance todo o primeiro semestre de 2021 e que os efeitos econômicos da pandemia perdurem por muito tempo. O projeto, portanto, revela total inadequação e insensibilidade. Responsabilizar o granjeiro não fará com que a galinha ponha mais ovos.

O contexto atual exige propostas que promovam a retomada do crescimento econômico e valorizem o empreendedor, e não iniciativas do Estado que reproduzam a retórica surrada de imputar a terceiros sua baixa performance financeira. Sem empresas, não há Estado. Capítulos como esses, contidos no projeto, precisam ser cuidadosamente lidos e debatidos. Somos, todos, coautores do livro que definirá nosso futuro.

Rafael Pandolfo

Sócio-fundador do escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados

 

Reprodução da matéria publicada no Jornal Zero Hora – 15/12/20